quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

[ CURSO D’ÁGUA E FUNDO DE VALE: UMA COSTURA POSSÍVEL DA LINHA AMBIENTAL NO TECIDO URBANO? A RECONFIGURAÇÃO DA PAISAGEM URBANA E A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DRENURBS, EM BELO HORIZONTE ]

SCHMIDT, Ana Maria . Curso d’água e fundo de vale: uma costura possível da linha ambiental no tecido urbano? A reconfiguração da paisagem urbana e a avaliação do programa DRENURBS, em belo horizonte. Seminário Nacional sobre o Tratamento de Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano e Restrições Ambientais ao Parcelamento do Solo. São Paulo, 2007. Acesso: 15.12.2009. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/urbanistico/arquivos/livroresumos.pdf

OBJETIVOS DO TRABALHO - Análise do Programa de Drenagem Urbana e Saneamento em Belo Horizonte - Drenurbs que propõe tratamento das bacias e sub-bacias onde os cursos d’água permanecem sem canalização. Avaliar a abordagem integrada: drenagem, aspectos sociais e urbanísticos, além dos ambientais, pressupondo uma visão integradora no enfoque dos problemas ambientais no contexto urbano.
Explicitar a evolução e mudança de paradigma no tratamento do fundo de vale em áreas urbanas da cidade dentro de contexto histórico das intervenções feitas na cidade, em tempos recentes comparando à intervenção do Drenurbs na bacia do córrego N. As da Piedade.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO E REFERENCIAL EMPÍRICO –

O Programa Drenurbs criado em 2001 é considerado um avanço no tratamento das questões ambientais do fundo de vale e parece traduzir novas perspectivas na preservação ambiental e minimização de impactos da drenagem e dos efluentes nos recursos hídricos e na sua área de influência, traz em seu bojo a possibilidade de tratamento e incorporação de áreas, como parte da cidade, ao longo de fundos de vales. São intervenções ambientais, da engenharia, das ciências sociais, do urbanismo e afetam as populações nesse contexto espacial.
Intervenções na última década, em Belo Horizonte, através do Programa de Saneamento Ambiental das Bacias do Arrudas e Onça da Região Metropolitana (Belo Horizonte) - PROSAM (1993), recursos do BID e dos governos estadual e municipal, e o Programa SOMMA (Saneamento Ambiental, Organização e Modernização Administrativa) na cidade de Ipatinga (1995), por exemplo, com recursos do município, BIRD e BDMG, fornecem um panorama da evolução da visão da gestão pública, na solução dos problemas de drenagem e saneamento e dos reflexos dos impactos ambientais e urbanos.
- a canalização do Córrego do Onça (1996)
- a canalização do Ribeirão Arrudas (entre o bairro da Gameleira e o município de Contagem-1997);
- a canalização do Córrego Sarandi (PROPAM- 1994);
- estudo de tratamento para a bacia do Córrego dos Camarões (2002) a partir dos novos parâmetros que estavam incorporados no Programa Drenurbs;
- tratamento das margens do ribeirão Ipanema na região do centro da cidade de Ipatinga/ MG.
Este panorama serve como argumento para mostrar as mudanças dos paradigmas das soluções propostas na nova perspectiva ambiental do Programa Drenurbs. A visão tradicional sobre o tratamento dos cursos d’água como resultado da técnica e da política é, por isso mesmo, resultado dos valores sociais e culturais construídos a partir da sociedade num dado momento.
A avaliação do Programa DRENURBS, compreende a sua contextualização técnica e da política municipal e um estudo de caso na sub-bacia do córrego N. Sa. da Piedade, na bacia do ribeirão do Onça na região nordeste do município.
Para isso, considera-se que os estudos urbanos e ambientais requerem diversos olhares das ciências para compreender aspectos físicos, políticos, sociais e culturais. As leituras geográficas e os conceitos espaciais que expressam e recolocam as grafias específicas dos locais no âmbito do espaço ampliado do mundo contemporâneo trazem instrumentos e formas de interpretação do espaço necessários à visão transdiscipliar. (Hissa, 2002)
Não se pretende investigar, em profundidade, a natureza dos muitos problemas ambientais decorrentes da ocupação urbana, mas é importante entendê-los como parte de um processo geral da produção do espaço urbano. Nesse contexto, como espaço urbano e de certa forma “natural”, os fundos de vales e os cursos d’água ainda não canalizados representam problemas ambientais e de saneamento, ao mesmo tempo em que contém uma solução potencial de tratamento para amenizar a transferência de problemas ambientais, no espaço, causados pelo processo de urbanização que inclui a canalização como pratica histórica.
A complexidade do processo de urbanização e gestão urbana impõe limites para intervenções decorrentes de políticas de enfrentamento da questão urbana. O Drenurbs, naturalmente, faz parte desse contexto, entretanto, as possibilidades que se abrem para a paisagem redesenhada mostram perspectivas novas. A existência, a dinâmica e a permanência dessa paisagem, como espaço proposto e reconfigurado, um novo papel no contexto ambiental e urbano, dependem de inúmeros fatores, como incorpora-los à gestão o que requer esforços e recursos.

METODOLOGIA - Dentro do âmbito da intervenção do Programa Drenurbs, busca-se analisar o papel do poder público as premissas dos agentes financeiros; a concepção da intervenção e seus parâmetros técnicos; os estudos integrados dos diversos profissionais envolvidos e a participação da população afetada nos planos e projetos.

Tais dados foram coletados a partir de relatos em entrevistas com atores envolvidos e a partir da pesquisa documental.
Tais conteúdos foram comparados com as intervenções que, anteriormente, eram tratadas como problemas quase exclusivos da engenharia sanitária e a engenharia de trânsito (vias estruturantes em fundo de vale), em função de problemas de drenagem quase sempre interferindo em áreas centrais ou valorizadas.
Ferramentas disponíveis a partir do Estatuto da Cidade (Diretrizes da Política Urbana /Plano Diretor), o Marco Regulatório sobre o Saneamento Ambiental e o Plano Municipal de Saneamento de Belo Horizonte desenham caminhos para atuação e planejamento.
A análise de tais instrumentos, nesse contexto do Programa, permite avaliar em que medida este possibilita a socialização dos investimentos públicos realizados.
A contextualização técnica e política esta referenciada por reflexões sobre o urbanismo e suas limitações e abrangência apontadas por Frúgoli (2000), Martins (2000) e Lefebvre (2002), as limitações do planejamento e a realidade urbana explicitadas por Maricato (2000), a evolução da abordagem da questão ambiental no contexto urbano referenciada em Viola et Leis (1992) e na perspectiva da convergência sócio-ambiental em Costa ET Costa (2005).
Esses escritos referenciais constituem pano de fundo para traçar pontos e linhas para a costura das abordagens sobre os fatores que interferem na organização sócio-espacial, no caso específico os fundos de vales, sob a pena da política e do técnico urbanísticoambiental.
A analise do contexto político, legal e dos parâmetros técnicos foi realizada, além de revisão bibliográfica e da análise da legislação existente e em discussão, através de entrevistas com técnicos e agentes públicos que participaram da historia recente do saneamento dos fundos de vales em Belo Horizonte.
Os exemplos relatados sobre intervenção em fundo de vale que mostram uma evolução no tratamento ao longo dos últimos 15 anos e compreendem uma visão da prática profissional da autora como integrante da equipe técnica ou na coordenação de projetos que previam um tratamento intersetorial mais abrangente.

QUESTÕES - Questões como qual o significado do curso d’água para as pessoas envolvidas e como é percebido por elas? A paisagem já não “natural”, na medida que contém e é contida pelo urbano, tem importância nas novas configurações do espaço?

A interpenetração entre os espaços naturais ou verdes de lazer e espaços da cidade, a busca de soluções que garantam maior permeabilidade entre estes, são preocupações do Programa DRENURBS?
As relações entre espaço “natural” e espaço urbano, incluindo-se as especificidades da paisagem, são consideradas na análise da potencialidade do fundo de vale dentro do Programa em questão?
O novo tratamento do fundo de vale, buscando regulação de cheias (através de bacias de acumulação e preservação de margens) e o saneamento, pode gerar manchas verdes na cidade, mesmo que como objetivo secundário, através de áreas públicas ou verdes em terrenos de APP?
Tais perguntas devem ter suas respostas a partir da avaliação dos diversos aspectos envolvidos na intervenção estudada, representada pelo caso da sub-bacia córrego N. Sa. da Piedade, integrante da bacia do ribeirão da Onça na região nordeste de Belo Horizonte, uma das áreas prioritárias do Programa DRENURBS.
CONCLUSÕES PARCIAIS - O Programa DRENURBS, um programa de Recuperação Ambiental de diversas bacias e fundos de vale na cidade compreende uma proposta inovadora “a inclusão dos cursos d’água na paisagem urbana de Belo Horizonte evitandose as tradicionais canalizações” (PRA-BH/Drenurbs, 2005),
A avaliação do DRENURBS, de forma geral e ao longo do tempo, deverá envolver da gestão pública planejamento e monitoramentos técnicos para a percepção e quantificação dos resultados benéficos ao meio ambiente, entre outros aspectos.
Apresentam-se importantes e necessários: novas formas de gestão do espaço resultante das intervenções, monitoramentos dos usos e da drenagem, em especial, manutenções mais complexas se comparadas à solução tradicional de eliminar os cursos d’água da paisagem urbana.
A legislação ambiental e os novos conceitos definidos nas duas últimas décadas através de parâmetros para o licenciamento ambiental de intervenções de impacto, têm recolocado a questão da preservação dos cursos d’água e, principalmente, o aspecto da sustentabilidade que orienta soluções partindo de novos paradigmas. Inclui-se aí o caso do saneamento, coleta e tratamento de esgotos e a não transferência dos problemas de inundação para outros lugares à jusante, entre outros.
Tais caminhos traçados, principalmente, tanto pelos movimentos ambientalistas, agência ambiental e técnicos preocupados com o meio ambiente, como pelos órgãos externos de financiamento, têm contribuído para a discussão sobre o futuro dos fundos de vale onde os córregos ainda não estão canalizados.
No caminho encontram-se visões e disputas de interesses diversos e contraditórios. Se, por um lado, as ineficiências (incluindo a falta de prioridade) do poder público, na implementação histórica de obras de infra-estrutura, deixou os cursos d’água em condições ainda “naturais”, existindo a possibilidade de tratá-los de forma a preservar a água, sanear e tratar a drenagem da bacia (objeto do Programa DRENURBS/PBH) através de concepções ambientais interessantes para a paisagem da cidade, por outro lado, a população, que vive nesses locais e entorno, muitas vezes reivindica a canalização praticada, tradicionalmente, provavelmente por não acreditar no eficiente saneamento do lugar.
Por outro lado, o Programa DRENURBS inclui um aspecto fundamental, a participação da população que contempla a mobilização e educação ambiental, mas não é suficiente para mudança de postura da sociedade.
O caso do tratamento dos fundos de vales a partir paradigmas ambientais novos pode significar um momento em que o poder público, junto com as áreas técnicas e a população envolvida possa construir idéias adequadas ao lugar e inserir, possivelmente, o lugar e as pessoas num efetivo planejamento.
Nesse sentido, enfatiza-se o papel não só do Estado, mas outros atores essenciais na gestão das cidades, as pessoas e a Prefeitura, no sentido amplo de planejar espaços para uso cotidiano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Heloisa S.M.; COSTA, Geraldo M. 2005. Repensando a análise e a práxis urbana: algumas contribuições da teoria do espaço e do pensamento ambiental In: Diniz, Clélio Campolina; Lemos, Mauro Borges (orgs.). Economia e Território. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 365 - 382.
FRÚGOLI JR, H. 2000. Centralidade em São Paulo. Trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo. Cortez editora.
LEFEBVRE, H. 2002. A Revolução Urbana. 1a reimp. Belo Horizonte Editora UFMG.
MARTINS, S. 2000. O Urbanismo, Esse (Des) conhecido Saber Político.R.B. Estudos Urbanos e Regionais. Nº 3/Novembro. PRAXIS. ESTUDO DE IMPACTO AMBINETAL - EIA -Drenurbs. Belo Horizonte: Práxis Projetos e Consultoria Ltda, 2003.

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